quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O eleito poderá vir a ser o 'prefeito de todos'




Texto publicado na edição do dia 14 de novembro de 2012 do jornal "Diário de Sorocaba", coluna "Opinião", página A-4. 

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Dois candidatos tradicionais, duas forças políticas de Sorocaba e uma cidade dividida em três partes quase iguais: uma parte um pouco maior que apoiou o vencedor, Antônio Carlos Pannunzio (PSDB); outra que ficou com Renato Amary (PMDB); e a terceira, que não apostou em nenhum dos dois. O prefeito eleito ainda não é o preferido da maioria. Este é o retrato do resultado do segundo turno da eleição municipal deste ano, que pode apontar algumas conclusões sobre como o sorocabano tem pensado sua política local e sobre a relevância de seus líderes.

Com o resultado do primeiro turno já foi possível analisar algumas circunstâncias. A respeitada ex-vereadora e ex-deputada federal Iara Bernardi (PT) foi a última colocada, com o maior índice de rejeição nas pesquisas, mesmo levando na bagagem figuras tradicionais do Partido. A alternância entre Iara, Hamilton Pereira e uma inserção do ex-petista Gabriel Bitencourt não alavancou as candidaturas nos últimos pleitos. O apoio no segundo turno, que não soou natural e resultou em derrota, também é sinal de descrédito. A mais clara lição disso é que o PT precisa de um novo nome na cidade se quiser um dia chegar à Prefeitura. O prêmio de consolação é a possibilidade de Iara assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados. 

Raul Marcelo (Psol) ficou em terceiro, ainda que tivesse menos tempo de TV e a menor verba para custeio da campanha. O discurso forte, oferecendo renovação e a boa imagem do candidato sem alianças embaraçosas, convenceu 50 mil eleitores. Pela sua atuação combativa e dinâmica como vereador e deputado estadual, o psolista já tinha o respeito da classe política. Mas neste pleito ganhou mais visibilidade que, se souber manter, pode lhe ser muito favorável nas eleições para deputado em 2014. 

O ex-prefeito Renato Amary (PMDB) antecipou o processo quando saiu do PSDB para sua atual legenda. Ter vencido o primeiro turno e ficado praticamente empatado no segundo mostrou eficácia pessoal; Amary deixou o ninho tucano, onde havia ficado isolado, e começou praticamente sem apoio sua corrida ao Paço. Foi agregando partidos e lideranças e acabou conquistando a maior quantidade de aliados, a coligação mais numerosa. No segundo turno, ainda teve a adesão do PT. Mas seu temperamento explosivo, estratégia de ataques - a tal fita misteriosa foi um 'tiro no pé' - e pendências jurídicas o impediram de disparar. Derrotado pela urna e pela sua intuição de que poderia ganhar com facilidade, Amary tem o refresco de ter mostrado que o nome é forte, independentemente de partido. 

Antônio Carlos Pannunzio (PSDB) estava confortável na presidência do Memorial da América Latina, depois de atuações como prefeito e os 16 anos como um dos deputados federais mais atuantes do País. A derrota para reeleição em 2010 parecia ter sido um duro golpe. Havia quem dissesse que sua vida política estava em declínio. Foi escolhido pelo Partido e começou a campanha um pouco apagado. A estratégia de sua equipe de marketing foi leve; os programas na TV tinham predominância de cores suaves, discursos calmos, além do apoio do prefeito Vitor Lippi. Pannunzio foi crescendo porém, não se abalou com os ataques e se manteve pacífico. Mas a postura opaca do início da campanha deu lugar a um candidato empenhado. A três dias da eleição de segundo turno, bradava seu nome pelas ruas do Centro ao lado do governador Geraldo Alckmin como se fora um garoto, despreocupado com as próprias cordas vocais. 

Pesquisas mostravam o peemedebista na frente com certa folga. A única que destoava, do DIÁRIO, foi questionada por sua coligação na Justiça. Com um dia de atraso, na véspera do segundo turno, o jornal estampou: "Pesquisa DIÁRIO aponta: Pannunzio 51% e Amary 49%". Uma corrida às bancas esgotou os exemplares. Nas urnas, a vitória apertada do tucano se confirmou em números praticamente idênticos aos do jornal: 51,04% a 48,96%. 

O quase empate mostra que nenhum dos candidatos despertou total confiança dos eleitores. Foram 6 mil votos de diferença - pouquíssimos para o tamanho da cidade - e altíssima abstenção que não conferem a Pannunzio o privilégio de ser o 'prefeito da maioria'. Entretanto, se o vencedor confirmar a conduta sempre correta e a conhecida competência - vindas de seu pai, o ex-prefeito Armando Pannunzio -, ele pode conseguir carregar o lema que ostentou na campanha: 'prefeito de todos'. São quatro anos para ver!

Jota Abreu é repórter político do Diário de Sorocaba


terça-feira, 24 de maio de 2011

Mais de Madia

Carlos Madia e Miriam Cris Carlos (Foto: Jota Abreu)

Release oficial do CD do cantor e compositor Carlos Madia em parceria com a poetista Miriam Cris Carlos

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*por Jota Abreu

Alguns recentes filmes de suspense apostam numa tática de começar a narrativa com a última cena. A estratégia torna a produção mais intrigante, pois mesmo vendo a cena final, o espectador não consegue entender completamente a sensação sem conhecer o restante da história. O novo CD de Carlos Madia vai nesse caminho. Mas me permito revelar que o pensamento de quem chega ao fim dos pouco mais de cinco minutos da vibrante “É só caroço”, última faixa do disco, é justamente a primeira informação que o ouvinte terá sobre a obra, seu nome: “Mais tudo isso”. Basta acabar a última música para ouvir sua mente reclamar ao coração (ou vice-versa) – quero mais tudo isso!

O trabalho é o que melhor pode traduzir o conceito de “álbum”. As músicas têm a graça de serem todas poesias de Miriam Cris Carlos - que também é professora de Comunicação e Semiótica – musicadas por Madia. O encarte traz uma ilustração para cada música: Adriano Gianolla, Pedro Lopes, Lúcia Castanho, Walter Martins, Newton Abussamra, José Lima, Luciana Valsechi, Laura Carone Cardieri, Ona Mestre, Sandra Mara, Julie Lockley, Peterson Ruiz e Luiza Pannunzio, responsável também pela arte da capa.

A produção musical ficou por conta do talentoso Cleber Almeida, com participação de vários instrumentistas. E o disco já começa arrebatador. “Água”, música premiada no Festival de MPB de Sorocaba, é um funk que não deixa ninguém parado. Na balada/rock “Mansão Rosa” e no impressionante blues/jazz “Insônia”, Madia mostra força na voz. Esta última tem a simpatia de trompete e bateria feitos “de boca” por Cleber Almeida. O resultado é incrível.

A brasilidade de sambas, que sempre Madia cantou com destreza, predomina em “Inexplicações”, “Bailarina nos teus passos”, na já citada “É caroço” e também em “Transparência”, outra canção premiada no Festival de MPB de Sorocaba. Destaque ainda para o ritmo contagiante e excelente arranjo da brasileiríssima “Negros Nós”.

Na categoria de “músicas para degustar”, Madia oferece para o deleite as melodias encantadoras de “Espelho”, da belíssima “Gana” e da aconchegante “A gente teima” onde brilha a afinação irrepreensível do cantor. O romantismo toma conta de “Na tarde solar”, “Sol silêncio” e da sensualíssima “Mais tudo isso” – vale correr o “risco” de ouví-la a dois.

Aquela que mais reflete o cotidiano sorocabano é “Mercado”. Composta para um documentário homônimo de Werinton Kermes sobre o mercado municipal de Sorocaba, a música e letra transportam com maestria o ouvinte para dentro de um dos símbolos mais clássicos da cidade. Arranjos formidáveis, musicalidade perfeita e poesia de primeira classe.

Quem já o conhece, sabe que Carlos Madia tem pelo menos três características pessoais e artísticas proeminentes: retidão, elegância e simplicidade. Seu disco – filho de peixe... – é igualzinho. “Mais tudo isso” é correto, impecável e preciso; tem um charme irresistível; mas não deixa de ter apelo popular que cativa a qualquer um. É disso que a gente gosta, Madia. E disso tudo a gente quer mais. Mais tudo isso!

*Jota Abreu é jornalista e trabalha no Diário de Sorocaba

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Basta Paul McCartney



Texto publicado no Jornal Diário de Sorocaba do Domingo, 28 de novembro de 2010.

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Tarde de segunda-feira (22). Vou comprar capa de chuva, pois chove bastante desde a manhã. Não é um dia qualquer. À noite, pela primeira vez, verei pessoalmente o compositor mais bem sucedido da história da música pop mundial, Paul McCartney.

O motivo da minha ida ao show? Paul e cia. são responsáveis pelo padrão estético de tudo que foi produzido pelos músicos de rock que vieram depois. Acho suficiente para querer conferir o som do inglês. Talvez sua última visita ao Brasil.

Voltando à compra da capa de chuva, pergunto pela vestimenta a duas vendedoras que parecem ser mãe e filha. Quando explico o que farei naquela noite (ir ao show do Paul), ouço um inusitado “ahhh... Quem?”. Respondo: “Ele era dos Beatles, está no Brasil e fez um show no Morumbi que passou ontem na TV”. Uma delas, ainda adolescente, pergunta: “Um loiro? Dos Estados Unidos?”.

A curta conversa com as vendedoras me faz refletir: como pode alguém nun
ca ter ouvido falar em Paul McCartney, um dos maiores nomes da história da música? Enfim, compro minha capa de chuva sem mais questionamentos.

Chego ao Morumbi faltando uma hora para o show, e me deparo com fila, vendedores e a inevitável ansiedade. Observo a amplitude e diversidade do público. “Capa, capa, capa...”, repetem os incessantes vendedores de capa de chuva. A fila não anda, mas o tempo voa. Na hora marcada consigo me aproximar do portão e ouvir o agito do público - ele já está no palco e eu passando pela revista! Por sorte, Paul só começa a cantar a primeira quando eu já estava dentro do estádio: era “Magical Mistery Tour”. Respiro aliviado, consegui!

O palco é imenso, com 26 metros de altura. Dois telões gigantes mostram imagens do beatle. Vencido o complicado desafio de encontrar um lugar menos tumultuado, Paul já terminara de cantar “Jet” e brinca com o público: “Tudo bem? Tudo bem in the rain? Tudo bem in the rain?”, misturando português e inglês. Ele cita Jorge Ben Jor - “Chove chuva” – e em seguida ataca um dos maiores sucessos do quarteto inglês: “All My Loving”.

É quando me junto às vozes dos cerca de 64 mil presentes e finalmente começa, de fato, o show para mim. O som dos metais de “Go to get you into my life” vai direto na alma - muito embora não seja reproduzido por metais de verdade, mas pelo teclado de Paul “Wix” Wickens. Talvez minha única decepção. Um mega astro da música não poderia levar um saxofonista, um trompetista e um trombonista em sua turnê?

Reclamações à parte, segue o baile. E que baile! São 3 horas de sucessos mundiais indiscutíveis: “I'm looking through you”, “Something”, “Band on the run”, “Paperback writer”, “Day Tripper”, “Get Back”. Sir McCartney emociona com “The long and winding road”, “Blackbird”, “Here Today” (para seu amigo John Lennon), entre outras. Em “Live and let die”, um espetáculo de fogos de artifício impressiona e ilumina o estádio. Tem música para pular, gritar, dançar, pensar, sorrir, chorar...

Ao anunciar “My Love”, feita para sua falecida esposa Linda, Paul dedica a canção também aos namorados que o prestigiam. Aproveito o clima de romance para ficar abraçadinho com a minha esposa. Começa “Ob-la-di Ob-la-da” e lembro da minha filha de um ano e meio que ficou em casa e adora quando esta música toca no carro. O show é uma viagem por todas as sensações - mesmo com muitos sucessos de fora!

Paul McCartney não compôs simples músicas, algumas delas são obras primas. É por isso que ele é uma das personalidades mais importantes do século XX. E presenciar a execução de criações de arte tão preciosas pelo próprio autor é sublime. Isso se reflete na postura do público: por mais clichê que possa parecer, homens, mulheres, adolescentes, jovens, adultos, idosos, crianças, e até uma freira (Isso mesmo! Eu vi!) contemplam o talento de um artista revolucionário!

Por mais distintas que fossem as pessoas, elas se juntam para cantar os versos de “Eleanor Rigby”, “Let It Be”, “Yesterday” e “Hey Jude” - esta última, em especial, reserva o momento ápice do show. Qualquer um consegue cantar o contagiante, repetitivo e incansável “ná ná ná” que encerra a canção. E Paul se aproveita disso para levar o estádio inteiro a celebrar aquela melodia simples, porém magnífica.

Para onde olho, vejo exaltação. E se fecho os olhos para apenas ouvir as vozes, o sentimento é de que todos se juntam naquela sinfonia para se permitir o mesmo prazer: balbuciar o nada, apenas saboreando o som que invade os ouvidos. A harmonia parece conduzir a um instante de conciliação no qual o mundo inteiro se une para cantar - inclusive as vendedoras de capa de chuva, que mal sabem quem é o beatle. Sim, lembro das coitadas naquela hora e penso em uma frase que substituiria este texto inteiro: todo ser humano deveria se permitir a emoção de ver Paul McCartney ao vivo. E basta.


Minha esposa e eu (à direita na foto) com amigos no show

Resultado de Enquete - Você tem qual expectativa sobre o governo Dilma?

A enquete referente ao texto anterior sobre a eleição de Dilma Rousseff teve o seguinte resultado:

Normal, nada de mais - 51%
Positiva, mas com ressalvas - 32%
Muito confiante - 16%
Ruim - 0%

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A terceira mulher no comando do Brasil

A presidente eleita Dilma Rousseff (Agência Brasil)


“...Não foram poucas as vezes que, deitado na cama, olhando para o teto, eu perguntava para a dona Marisa: ‘Será que é verdade que nós ganhamos?’ Eu, às vezes, quase que me belisco; eu, às vezes, tenho a impressão de que este dedo meu caiu de tanto eu beliscar para saber se era verdade, se eu tinha, de verdade, sido eleito presidente da República deste país (...) E eu pensava: se eu fracassar na Presidência da República, se eu fracassar, nunca mais um trabalhador vai ter o direito de dizer que quer ser presidente da República, porque vão mostrar sempre que ele é incompetente, vão mostrar sempre que ser presidente da República é cargo para gente refinada, é cargo para fazendeiro, grande empresário, grandes advogados, grandes professores. Trabalhador, nunca. Então, eu tinha consciência da obrigação de acertar. Eu tinha a obrigação. E eu tinha comigo o acúmulo de 91 mil quilômetros percorridos com a Caravana da Cidadania, de ônibus, de trem, de carro e de barco.”

O texto acima faz parte do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 20 de agosto, na inauguração do campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos, evento que tive a oportunidade de cobrir pelo jornal que trabalho. Verdade ou não, a fala de Lula revela uma possível consciência dele da representatividade de sua eleição, levando-se em conta sua origem: nordestino, pobre e operário.

Vivemos a recente eleição de Dilma Rousseff para o mesmo cargo de Lula. A propósito, sua candidatura teve entrega de corpo e alma do presidente durante a campanha, para que fizesse do seu sucessor alguém de sua confiança. Para muitos, uma participação exagerada do chefe da nação que demonstrou mais uma vez ser movido mais pela paixão partidária do que pela isenção democrática.

A chegada da ex-guerrilheira e economista Dilma Rousseff ao posto de primeira mulher presidente do Brasil pode derrubar sobre seus ombros um fardo semelhante ao descrito por Lula no texto acima: como se portará alguém do sexo feminino no cargo mais importante do país?

Este questionamento deveria ser totalmente dispensável, assim como aquele de colocar em xeque a capacidade de um trabalhador na presidência, apenas por sua origem. Mas um país dominado pela elite tinha (ou ainda tem?) mesmo este preconceito. Quantos gostam de argumentar a “falta de estudo” de Lula? “Como pode um presidente nem ter faculdade?” – é fácil de ouvir por aí.

Nossa nação também é machista, admitamos. Eles ganham mais que elas, ainda que nos mesmos cargos. Eles ocupam melhores posições no mercado de trabalho. A seleção brasileira de futebol masculino é chamada de “principal”, enquanto aquela formada por mulheres é apenas seleção brasileira de futebol feminino. E quantas piadas você já ouviu sobre a mulher no volante? “Tinha que ser...” é das lamentações mais proferidas no trânsito.

Entretanto duas mulheres já estiveram no comando do nosso país. A primeira delas foi a Princesa Isabel. Herdeira do pai, o imperador Dom Pedro II, ela foi chefe de estado e ficou conhecida como Redentora por ter abolido a escravidão ao assinar a Lei Áurea. Outra mulher que comandou o Brasil foi a ex-ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Embora o presidente fosse Fernando Collor de Mello, ela comandava a economia do país, enquanto Collor fazia cooper. E foi um desastre. Principalmente por ter confiscado as cadernetas de poupança.

Pois bem, por ironia do destino nosso país machista terá uma mulher para dirigí-lo de 2011 a 2014. A capacidade gerencial de Dilma Rousseff foi altamente elogiada por seus aliados durante a campanha. Perfeccionismo, retidão, busca por excelência foram outros atributos que tentaram relacionar à nova presidente, ainda que uma grande amiga sua (Erenice Guerra, ex-ministra-chefe da Casa Civil) tenha se envolvido num escândalo. Seu semblante sisudo e a cara amarrada denunciam uma pessoa exigente, é verdade. Só seu viu seu sorriso fora da campanha eleitoral em uma entrevista que concedeu depois das eleições. Antes, nem nas fotos de criança. As imagens revelam uma garotinha séria, olhar carregado. Um país colorido, carnavalesco e brincalhão terá uma presidente com características completamente contrárias. Parece estranho.

Quero ressaltar, mais que o fato de uma mulher estar na presidência, a chegada lá de alguém que foi vítima da ditadura. Se fosse José Serra o eleito, também teríamos este acontecimento. É de grande representatividade que alguém que deu sua liberdade a favor da democracia (o tucano também o fez) tenha sido alçada a este posto justamente de forma democrática. O falado sofrimento de Dilma nos porões da repressão pode resultar numa gestão voltada a corrigir as injustiças, inclusive as sociais. É para isso que torço.

Não é possível medir se a ampla aprovação popular do presidente Lula realmente vai garantir que outros “operários” possam almejar a presidência da República sem desconfianças por parte dos mais instruídos. Da mesma forma, ainda que tenha desempenho exemplar à frente da nação, o governo Dilma não será o aval para que as mulheres queiram voltar isentas da crítica dos machistas a este cargo que ela, ainda, sequer assumiu. A qualquer erro seu, será dita aquela frase “tinha que ser...”. Infelizmente, as barreiras que operários e mulheres enfrentam na sociedade continuam a se levantar diariamente diante deles. Mas Lula e Dilma, se não derrubarem os paradigmas retrógrados dos elitistas e machistas, ao menos abalaram suas bases.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Responsabilidade não é covardia




Considerações iniciais: este não é um texto sobre política, eleições, sequer sobre aborto. Mas se faz necessário que eu me posicione de antemão. Não sou do PT, não voto na Dilma (nem no Serra) e sou radicalmente contra todas as formas de aborto, por quaisquer motivos. Além disso, sou católico desde o berço. Feito isso, prossigo.

No último 5 de outubro, o Pe. José Augusto da TV Canção Nova celebrou uma missa ao vivo no canal e, durante a homilia, fez um discurso literal contra a candidata à Presidência da República Dilma Roussef (PT). Ele alegou que o partido tem em seu programa de governo claras intenções em favor da descriminalização do aborto, o que é verdade. Também criticou e se mostrou intimidado com resoluções do PNDH-3, assinado pelo Governo Federal do PT, nas quais seria permitido apenas 1 hora de programação religiosa na TV, o que obviamente prejudicaria a emissora da qual faz parte.

Curioso que o padre começa sua homilia (que complementa a liturgia da Palavra, e deveria contemplar este assunto) dizendo que tem recebido “muitos e-mails”. Em seguida, ele diz que os rumos do Brasil podem mudar para pior, caso o PT vença o segundo turno, pelos motivos que já citei acima.

Enquanto política comunicacional e veículo de mídia, é preciso que as TVs católicas, especialmente a Canção Nova, busquem mais responsabilidade. Se a Missa já é um canal de comunicação da Igreja com seu povo, ainda que não seja transmitida por algum meio, quanto mais será numa emissora de televisão. A palavra é equilíbrio. E o padre José Augusto foi irresponsável e desequilibrado.

Presumo (e espero) que antes de uma homilia ele a prepare, estude e reflita. Caso o faça, nesta em especial, faltou a ele o cuidado de pesquisar também sobre o outro lado. Quando ministro da saúde em 1998, o candidato José Serra (PSDB) normatizou a realização de abortos em casos previstos por lei (risco de vida para a gestante ou gravidez proveniente de violência sexual). Não fez a lei, mas deu à ela respaldo político e técnico, permitindo que os hospitais fizessem o procedimento. (vide Blog do jornalista Ricardo Noblat e o vídeo acima do falecido Padre Léo, na mesma Canção Nova).

Bastava ao padre, uma rápida pesquisa no Google para descobrir. Mas a falta de habilidade de alguns religiosos com os princípios da comunicação o motivou a tomar um lado nas eleições. Algo que a Igreja, enquanto instituição, jamais faria. E espero que seja este o real motivo do padre, porque algumas visitas de José Serra à Canção Nova credenciam qualquer um a pensar em outras intenções. O padre ainda disse: “Estou falando o que Deus conversou comigo antes da missa”. Um e-mail agora virou “conversa com Deus”? Vou mandar um e-mail ao padre, dizendo que todos devem depositar R$ 1 na minha conta bancária. Vai que ele pensa que é a “voz de Deus” e fala na TV. Uma pessoa me falou: "o padre não foi covarde igual a muitos". Responsabilidade não é covardia. Não defendo que o padre ficasse calado. Apenas acho que ele precisaria falar TAMBÉM sobre o outro lado da moeda.

Quando uma TV de orientação católica se pronuncia à sociedade, precisa ter cuidado, pois nem todos podem compreender que aquilo não é a posição da Igreja. Na hipótese de alegar que a Igreja é contra o aborto para justificar o discurso, o Pe. José Augusto, por estar num veículo de comunicação de concessão pública, tinha o dever de ser justo, democrático e citar os dois candidatos, já que ambos têm histórico de episódios nos quais se posicionaram a favor do aborto. Caso contrário, quem fica à mercê da opinião pública é a Igreja em si. E se o padre não tiver cautela com suas informações, a Igreja é penalizada pela sociedade.

Certa vez, um outro padre desta mesma TV, propagou um e-mail que havia recebido, dizendo que o Bispo Sérgio Von Helder da Igreja Universal do Reino de Deus, que chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida no dia 12 de outubro na TV Record, havia se “convertido” e se tornado devoto da Padroeira do Brasil após ter a perna amputada. O que não era verdade. À época, o programa do Ratinho no SBT desmentiu o fato e trouxe o Bispo (com as duas pernas), o que ridicularizou o discurso feito por um padre em plena homilia. Culpa do Ratinho ou falta de bom senso do padre? Por essa razão, defendo que os comunicadores das TVs católicas procurem se aperfeiçoar em assuntos como comunicação de massa.

Embora não seja um simpatizante dele, devo admitir a sabedoria do Monsenhor Jonas Abib, fundador da Comunidade Canção Nova que mantém a TV. Em nota oficial, ele se desculpou pelos abusos e recomendou: “peço a cada um, oração e silêncio”. Amém, monsenhor. Amém.

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Indico:

Entrem no blog deste cientista político católico e leiam o texto "Abordagem surpreendente". Ele sim fala sobre política, e da forma mais equilibrada possível.

Resultado de Enquete - Quem é o mais culpado pelo déficit habitacional no Brasil?

A enquete referente ao texto anterior sobre problemas de habitação teve o seguinte resultado:

Poder Público - 82%

Os próprios moradores de áreas ilegais - 59%

Mercado de Construção Civil - 19%

Mercado Imobiliário 0%