terça-feira, 30 de novembro de 2010

Basta Paul McCartney



Texto publicado no Jornal Diário de Sorocaba do Domingo, 28 de novembro de 2010.

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Tarde de segunda-feira (22). Vou comprar capa de chuva, pois chove bastante desde a manhã. Não é um dia qualquer. À noite, pela primeira vez, verei pessoalmente o compositor mais bem sucedido da história da música pop mundial, Paul McCartney.

O motivo da minha ida ao show? Paul e cia. são responsáveis pelo padrão estético de tudo que foi produzido pelos músicos de rock que vieram depois. Acho suficiente para querer conferir o som do inglês. Talvez sua última visita ao Brasil.

Voltando à compra da capa de chuva, pergunto pela vestimenta a duas vendedoras que parecem ser mãe e filha. Quando explico o que farei naquela noite (ir ao show do Paul), ouço um inusitado “ahhh... Quem?”. Respondo: “Ele era dos Beatles, está no Brasil e fez um show no Morumbi que passou ontem na TV”. Uma delas, ainda adolescente, pergunta: “Um loiro? Dos Estados Unidos?”.

A curta conversa com as vendedoras me faz refletir: como pode alguém nun
ca ter ouvido falar em Paul McCartney, um dos maiores nomes da história da música? Enfim, compro minha capa de chuva sem mais questionamentos.

Chego ao Morumbi faltando uma hora para o show, e me deparo com fila, vendedores e a inevitável ansiedade. Observo a amplitude e diversidade do público. “Capa, capa, capa...”, repetem os incessantes vendedores de capa de chuva. A fila não anda, mas o tempo voa. Na hora marcada consigo me aproximar do portão e ouvir o agito do público - ele já está no palco e eu passando pela revista! Por sorte, Paul só começa a cantar a primeira quando eu já estava dentro do estádio: era “Magical Mistery Tour”. Respiro aliviado, consegui!

O palco é imenso, com 26 metros de altura. Dois telões gigantes mostram imagens do beatle. Vencido o complicado desafio de encontrar um lugar menos tumultuado, Paul já terminara de cantar “Jet” e brinca com o público: “Tudo bem? Tudo bem in the rain? Tudo bem in the rain?”, misturando português e inglês. Ele cita Jorge Ben Jor - “Chove chuva” – e em seguida ataca um dos maiores sucessos do quarteto inglês: “All My Loving”.

É quando me junto às vozes dos cerca de 64 mil presentes e finalmente começa, de fato, o show para mim. O som dos metais de “Go to get you into my life” vai direto na alma - muito embora não seja reproduzido por metais de verdade, mas pelo teclado de Paul “Wix” Wickens. Talvez minha única decepção. Um mega astro da música não poderia levar um saxofonista, um trompetista e um trombonista em sua turnê?

Reclamações à parte, segue o baile. E que baile! São 3 horas de sucessos mundiais indiscutíveis: “I'm looking through you”, “Something”, “Band on the run”, “Paperback writer”, “Day Tripper”, “Get Back”. Sir McCartney emociona com “The long and winding road”, “Blackbird”, “Here Today” (para seu amigo John Lennon), entre outras. Em “Live and let die”, um espetáculo de fogos de artifício impressiona e ilumina o estádio. Tem música para pular, gritar, dançar, pensar, sorrir, chorar...

Ao anunciar “My Love”, feita para sua falecida esposa Linda, Paul dedica a canção também aos namorados que o prestigiam. Aproveito o clima de romance para ficar abraçadinho com a minha esposa. Começa “Ob-la-di Ob-la-da” e lembro da minha filha de um ano e meio que ficou em casa e adora quando esta música toca no carro. O show é uma viagem por todas as sensações - mesmo com muitos sucessos de fora!

Paul McCartney não compôs simples músicas, algumas delas são obras primas. É por isso que ele é uma das personalidades mais importantes do século XX. E presenciar a execução de criações de arte tão preciosas pelo próprio autor é sublime. Isso se reflete na postura do público: por mais clichê que possa parecer, homens, mulheres, adolescentes, jovens, adultos, idosos, crianças, e até uma freira (Isso mesmo! Eu vi!) contemplam o talento de um artista revolucionário!

Por mais distintas que fossem as pessoas, elas se juntam para cantar os versos de “Eleanor Rigby”, “Let It Be”, “Yesterday” e “Hey Jude” - esta última, em especial, reserva o momento ápice do show. Qualquer um consegue cantar o contagiante, repetitivo e incansável “ná ná ná” que encerra a canção. E Paul se aproveita disso para levar o estádio inteiro a celebrar aquela melodia simples, porém magnífica.

Para onde olho, vejo exaltação. E se fecho os olhos para apenas ouvir as vozes, o sentimento é de que todos se juntam naquela sinfonia para se permitir o mesmo prazer: balbuciar o nada, apenas saboreando o som que invade os ouvidos. A harmonia parece conduzir a um instante de conciliação no qual o mundo inteiro se une para cantar - inclusive as vendedoras de capa de chuva, que mal sabem quem é o beatle. Sim, lembro das coitadas naquela hora e penso em uma frase que substituiria este texto inteiro: todo ser humano deveria se permitir a emoção de ver Paul McCartney ao vivo. E basta.


Minha esposa e eu (à direita na foto) com amigos no show

Resultado de Enquete - Você tem qual expectativa sobre o governo Dilma?

A enquete referente ao texto anterior sobre a eleição de Dilma Rousseff teve o seguinte resultado:

Normal, nada de mais - 51%
Positiva, mas com ressalvas - 32%
Muito confiante - 16%
Ruim - 0%

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A terceira mulher no comando do Brasil

A presidente eleita Dilma Rousseff (Agência Brasil)


“...Não foram poucas as vezes que, deitado na cama, olhando para o teto, eu perguntava para a dona Marisa: ‘Será que é verdade que nós ganhamos?’ Eu, às vezes, quase que me belisco; eu, às vezes, tenho a impressão de que este dedo meu caiu de tanto eu beliscar para saber se era verdade, se eu tinha, de verdade, sido eleito presidente da República deste país (...) E eu pensava: se eu fracassar na Presidência da República, se eu fracassar, nunca mais um trabalhador vai ter o direito de dizer que quer ser presidente da República, porque vão mostrar sempre que ele é incompetente, vão mostrar sempre que ser presidente da República é cargo para gente refinada, é cargo para fazendeiro, grande empresário, grandes advogados, grandes professores. Trabalhador, nunca. Então, eu tinha consciência da obrigação de acertar. Eu tinha a obrigação. E eu tinha comigo o acúmulo de 91 mil quilômetros percorridos com a Caravana da Cidadania, de ônibus, de trem, de carro e de barco.”

O texto acima faz parte do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 20 de agosto, na inauguração do campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos, evento que tive a oportunidade de cobrir pelo jornal que trabalho. Verdade ou não, a fala de Lula revela uma possível consciência dele da representatividade de sua eleição, levando-se em conta sua origem: nordestino, pobre e operário.

Vivemos a recente eleição de Dilma Rousseff para o mesmo cargo de Lula. A propósito, sua candidatura teve entrega de corpo e alma do presidente durante a campanha, para que fizesse do seu sucessor alguém de sua confiança. Para muitos, uma participação exagerada do chefe da nação que demonstrou mais uma vez ser movido mais pela paixão partidária do que pela isenção democrática.

A chegada da ex-guerrilheira e economista Dilma Rousseff ao posto de primeira mulher presidente do Brasil pode derrubar sobre seus ombros um fardo semelhante ao descrito por Lula no texto acima: como se portará alguém do sexo feminino no cargo mais importante do país?

Este questionamento deveria ser totalmente dispensável, assim como aquele de colocar em xeque a capacidade de um trabalhador na presidência, apenas por sua origem. Mas um país dominado pela elite tinha (ou ainda tem?) mesmo este preconceito. Quantos gostam de argumentar a “falta de estudo” de Lula? “Como pode um presidente nem ter faculdade?” – é fácil de ouvir por aí.

Nossa nação também é machista, admitamos. Eles ganham mais que elas, ainda que nos mesmos cargos. Eles ocupam melhores posições no mercado de trabalho. A seleção brasileira de futebol masculino é chamada de “principal”, enquanto aquela formada por mulheres é apenas seleção brasileira de futebol feminino. E quantas piadas você já ouviu sobre a mulher no volante? “Tinha que ser...” é das lamentações mais proferidas no trânsito.

Entretanto duas mulheres já estiveram no comando do nosso país. A primeira delas foi a Princesa Isabel. Herdeira do pai, o imperador Dom Pedro II, ela foi chefe de estado e ficou conhecida como Redentora por ter abolido a escravidão ao assinar a Lei Áurea. Outra mulher que comandou o Brasil foi a ex-ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Embora o presidente fosse Fernando Collor de Mello, ela comandava a economia do país, enquanto Collor fazia cooper. E foi um desastre. Principalmente por ter confiscado as cadernetas de poupança.

Pois bem, por ironia do destino nosso país machista terá uma mulher para dirigí-lo de 2011 a 2014. A capacidade gerencial de Dilma Rousseff foi altamente elogiada por seus aliados durante a campanha. Perfeccionismo, retidão, busca por excelência foram outros atributos que tentaram relacionar à nova presidente, ainda que uma grande amiga sua (Erenice Guerra, ex-ministra-chefe da Casa Civil) tenha se envolvido num escândalo. Seu semblante sisudo e a cara amarrada denunciam uma pessoa exigente, é verdade. Só seu viu seu sorriso fora da campanha eleitoral em uma entrevista que concedeu depois das eleições. Antes, nem nas fotos de criança. As imagens revelam uma garotinha séria, olhar carregado. Um país colorido, carnavalesco e brincalhão terá uma presidente com características completamente contrárias. Parece estranho.

Quero ressaltar, mais que o fato de uma mulher estar na presidência, a chegada lá de alguém que foi vítima da ditadura. Se fosse José Serra o eleito, também teríamos este acontecimento. É de grande representatividade que alguém que deu sua liberdade a favor da democracia (o tucano também o fez) tenha sido alçada a este posto justamente de forma democrática. O falado sofrimento de Dilma nos porões da repressão pode resultar numa gestão voltada a corrigir as injustiças, inclusive as sociais. É para isso que torço.

Não é possível medir se a ampla aprovação popular do presidente Lula realmente vai garantir que outros “operários” possam almejar a presidência da República sem desconfianças por parte dos mais instruídos. Da mesma forma, ainda que tenha desempenho exemplar à frente da nação, o governo Dilma não será o aval para que as mulheres queiram voltar isentas da crítica dos machistas a este cargo que ela, ainda, sequer assumiu. A qualquer erro seu, será dita aquela frase “tinha que ser...”. Infelizmente, as barreiras que operários e mulheres enfrentam na sociedade continuam a se levantar diariamente diante deles. Mas Lula e Dilma, se não derrubarem os paradigmas retrógrados dos elitistas e machistas, ao menos abalaram suas bases.