Que encanto têm as favelas cariocas? Por que o mundo fica tão fascinado com um lugar onde a criminalidade e a luta para se viver honestamente caminham de forma paralela?
Em 1996, o maior expoente da música pop mundial, Michael Jackson visitou o morro Dona Marta, local que escolheu para parte das gravações do videoclipe de “They don’t care about us” (Eles não ligam para nós). O diretor do clipe, Spike Lee, inclusive admite ter pagado para os traficantes garantirem a segurança do cantor, alegando que a polícia carioca não conseguiria cumprir essa missão.
Em 2002, o filme “Cidade de Deus” retratou outra favela carioca e divulgou ao planeta uma realidade cruel do poder que o tráfico de entorpecentes detém sobre os moradores. A produção foi muito bem recebida, inclusive com 4 indicações ao Oscar de 2004.
Recentemente, assim como Michael, Madonna também esteve no Dona Marta. Mas, a visita da rainha do pop tinha um intuito mais humano: ampliação de projetos sociais. Já em 2010, dois novos nomes da música internacional se juntaram para outro clipe nas favelas do Rio de Janeiro: Beyoncé e Alicia Keys gravaram juntas o vídeo da música “Put it in a love song” (Ponha isso numa canção de amor).
A visita de Madonna e o filme “Cidade de Deus” são boas iniciativas para o bem das favelas. A música e o clipe de Michael Jackson também tinham um viés social. Trechos da letra dizem “Tudo que eu quero dizer é que eles não ligam para nós... Sou vítima da violência da polícia. Cansei de ser vítima do ódio...”. O vídeo correu o mundo, e a comunidade hoje é protegida pela polícia, onde não há mais pontos de tráfico.
Só me parece dispensável a visita rebolativa de Beyoncé e Alicia Keys para cantar inutilidades como “Diga que me ama, diga que me ama. Depois coloque isso numa canção de amor” ou então “Se você realmente precisa de mim como diz, é melhor me mostrar, é melhor vir e dizer”.
Qual a relação dessa letra com as favelas cariocas? De forma oportunista, a sensação é de que apenas escolheram um cenário “feio” para contrastar com suas “belezas”. As duas representam uma arte pasteurizada e homogênea, sem criatividade e emoção, que apela muito mais para seus atributos físicos, do que pelo talento musical. Para definir esta arte, o jornalista Jamari França brilhantemente citou Nélson Rodrigues: “tem a profundidade que uma formiguinha atravessa com água pelas canelas”.