quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Responsabilidade não é covardia




Considerações iniciais: este não é um texto sobre política, eleições, sequer sobre aborto. Mas se faz necessário que eu me posicione de antemão. Não sou do PT, não voto na Dilma (nem no Serra) e sou radicalmente contra todas as formas de aborto, por quaisquer motivos. Além disso, sou católico desde o berço. Feito isso, prossigo.

No último 5 de outubro, o Pe. José Augusto da TV Canção Nova celebrou uma missa ao vivo no canal e, durante a homilia, fez um discurso literal contra a candidata à Presidência da República Dilma Roussef (PT). Ele alegou que o partido tem em seu programa de governo claras intenções em favor da descriminalização do aborto, o que é verdade. Também criticou e se mostrou intimidado com resoluções do PNDH-3, assinado pelo Governo Federal do PT, nas quais seria permitido apenas 1 hora de programação religiosa na TV, o que obviamente prejudicaria a emissora da qual faz parte.

Curioso que o padre começa sua homilia (que complementa a liturgia da Palavra, e deveria contemplar este assunto) dizendo que tem recebido “muitos e-mails”. Em seguida, ele diz que os rumos do Brasil podem mudar para pior, caso o PT vença o segundo turno, pelos motivos que já citei acima.

Enquanto política comunicacional e veículo de mídia, é preciso que as TVs católicas, especialmente a Canção Nova, busquem mais responsabilidade. Se a Missa já é um canal de comunicação da Igreja com seu povo, ainda que não seja transmitida por algum meio, quanto mais será numa emissora de televisão. A palavra é equilíbrio. E o padre José Augusto foi irresponsável e desequilibrado.

Presumo (e espero) que antes de uma homilia ele a prepare, estude e reflita. Caso o faça, nesta em especial, faltou a ele o cuidado de pesquisar também sobre o outro lado. Quando ministro da saúde em 1998, o candidato José Serra (PSDB) normatizou a realização de abortos em casos previstos por lei (risco de vida para a gestante ou gravidez proveniente de violência sexual). Não fez a lei, mas deu à ela respaldo político e técnico, permitindo que os hospitais fizessem o procedimento. (vide Blog do jornalista Ricardo Noblat e o vídeo acima do falecido Padre Léo, na mesma Canção Nova).

Bastava ao padre, uma rápida pesquisa no Google para descobrir. Mas a falta de habilidade de alguns religiosos com os princípios da comunicação o motivou a tomar um lado nas eleições. Algo que a Igreja, enquanto instituição, jamais faria. E espero que seja este o real motivo do padre, porque algumas visitas de José Serra à Canção Nova credenciam qualquer um a pensar em outras intenções. O padre ainda disse: “Estou falando o que Deus conversou comigo antes da missa”. Um e-mail agora virou “conversa com Deus”? Vou mandar um e-mail ao padre, dizendo que todos devem depositar R$ 1 na minha conta bancária. Vai que ele pensa que é a “voz de Deus” e fala na TV. Uma pessoa me falou: "o padre não foi covarde igual a muitos". Responsabilidade não é covardia. Não defendo que o padre ficasse calado. Apenas acho que ele precisaria falar TAMBÉM sobre o outro lado da moeda.

Quando uma TV de orientação católica se pronuncia à sociedade, precisa ter cuidado, pois nem todos podem compreender que aquilo não é a posição da Igreja. Na hipótese de alegar que a Igreja é contra o aborto para justificar o discurso, o Pe. José Augusto, por estar num veículo de comunicação de concessão pública, tinha o dever de ser justo, democrático e citar os dois candidatos, já que ambos têm histórico de episódios nos quais se posicionaram a favor do aborto. Caso contrário, quem fica à mercê da opinião pública é a Igreja em si. E se o padre não tiver cautela com suas informações, a Igreja é penalizada pela sociedade.

Certa vez, um outro padre desta mesma TV, propagou um e-mail que havia recebido, dizendo que o Bispo Sérgio Von Helder da Igreja Universal do Reino de Deus, que chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida no dia 12 de outubro na TV Record, havia se “convertido” e se tornado devoto da Padroeira do Brasil após ter a perna amputada. O que não era verdade. À época, o programa do Ratinho no SBT desmentiu o fato e trouxe o Bispo (com as duas pernas), o que ridicularizou o discurso feito por um padre em plena homilia. Culpa do Ratinho ou falta de bom senso do padre? Por essa razão, defendo que os comunicadores das TVs católicas procurem se aperfeiçoar em assuntos como comunicação de massa.

Embora não seja um simpatizante dele, devo admitir a sabedoria do Monsenhor Jonas Abib, fundador da Comunidade Canção Nova que mantém a TV. Em nota oficial, ele se desculpou pelos abusos e recomendou: “peço a cada um, oração e silêncio”. Amém, monsenhor. Amém.

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Indico:

Entrem no blog deste cientista político católico e leiam o texto "Abordagem surpreendente". Ele sim fala sobre política, e da forma mais equilibrada possível.

Um comentário:

  1. Concordo com seu ponto de vista. O padre não é a igreja, mas faz parte dela, e se posicionar dessa forma pode fazer com que os mais humildes, ou os do contra, pensem que essa é a posição oficial da igreja. Pensar mais antes de falar, isso é o que falta!

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