sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A terceira mulher no comando do Brasil

A presidente eleita Dilma Rousseff (Agência Brasil)


“...Não foram poucas as vezes que, deitado na cama, olhando para o teto, eu perguntava para a dona Marisa: ‘Será que é verdade que nós ganhamos?’ Eu, às vezes, quase que me belisco; eu, às vezes, tenho a impressão de que este dedo meu caiu de tanto eu beliscar para saber se era verdade, se eu tinha, de verdade, sido eleito presidente da República deste país (...) E eu pensava: se eu fracassar na Presidência da República, se eu fracassar, nunca mais um trabalhador vai ter o direito de dizer que quer ser presidente da República, porque vão mostrar sempre que ele é incompetente, vão mostrar sempre que ser presidente da República é cargo para gente refinada, é cargo para fazendeiro, grande empresário, grandes advogados, grandes professores. Trabalhador, nunca. Então, eu tinha consciência da obrigação de acertar. Eu tinha a obrigação. E eu tinha comigo o acúmulo de 91 mil quilômetros percorridos com a Caravana da Cidadania, de ônibus, de trem, de carro e de barco.”

O texto acima faz parte do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 20 de agosto, na inauguração do campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos, evento que tive a oportunidade de cobrir pelo jornal que trabalho. Verdade ou não, a fala de Lula revela uma possível consciência dele da representatividade de sua eleição, levando-se em conta sua origem: nordestino, pobre e operário.

Vivemos a recente eleição de Dilma Rousseff para o mesmo cargo de Lula. A propósito, sua candidatura teve entrega de corpo e alma do presidente durante a campanha, para que fizesse do seu sucessor alguém de sua confiança. Para muitos, uma participação exagerada do chefe da nação que demonstrou mais uma vez ser movido mais pela paixão partidária do que pela isenção democrática.

A chegada da ex-guerrilheira e economista Dilma Rousseff ao posto de primeira mulher presidente do Brasil pode derrubar sobre seus ombros um fardo semelhante ao descrito por Lula no texto acima: como se portará alguém do sexo feminino no cargo mais importante do país?

Este questionamento deveria ser totalmente dispensável, assim como aquele de colocar em xeque a capacidade de um trabalhador na presidência, apenas por sua origem. Mas um país dominado pela elite tinha (ou ainda tem?) mesmo este preconceito. Quantos gostam de argumentar a “falta de estudo” de Lula? “Como pode um presidente nem ter faculdade?” – é fácil de ouvir por aí.

Nossa nação também é machista, admitamos. Eles ganham mais que elas, ainda que nos mesmos cargos. Eles ocupam melhores posições no mercado de trabalho. A seleção brasileira de futebol masculino é chamada de “principal”, enquanto aquela formada por mulheres é apenas seleção brasileira de futebol feminino. E quantas piadas você já ouviu sobre a mulher no volante? “Tinha que ser...” é das lamentações mais proferidas no trânsito.

Entretanto duas mulheres já estiveram no comando do nosso país. A primeira delas foi a Princesa Isabel. Herdeira do pai, o imperador Dom Pedro II, ela foi chefe de estado e ficou conhecida como Redentora por ter abolido a escravidão ao assinar a Lei Áurea. Outra mulher que comandou o Brasil foi a ex-ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Embora o presidente fosse Fernando Collor de Mello, ela comandava a economia do país, enquanto Collor fazia cooper. E foi um desastre. Principalmente por ter confiscado as cadernetas de poupança.

Pois bem, por ironia do destino nosso país machista terá uma mulher para dirigí-lo de 2011 a 2014. A capacidade gerencial de Dilma Rousseff foi altamente elogiada por seus aliados durante a campanha. Perfeccionismo, retidão, busca por excelência foram outros atributos que tentaram relacionar à nova presidente, ainda que uma grande amiga sua (Erenice Guerra, ex-ministra-chefe da Casa Civil) tenha se envolvido num escândalo. Seu semblante sisudo e a cara amarrada denunciam uma pessoa exigente, é verdade. Só seu viu seu sorriso fora da campanha eleitoral em uma entrevista que concedeu depois das eleições. Antes, nem nas fotos de criança. As imagens revelam uma garotinha séria, olhar carregado. Um país colorido, carnavalesco e brincalhão terá uma presidente com características completamente contrárias. Parece estranho.

Quero ressaltar, mais que o fato de uma mulher estar na presidência, a chegada lá de alguém que foi vítima da ditadura. Se fosse José Serra o eleito, também teríamos este acontecimento. É de grande representatividade que alguém que deu sua liberdade a favor da democracia (o tucano também o fez) tenha sido alçada a este posto justamente de forma democrática. O falado sofrimento de Dilma nos porões da repressão pode resultar numa gestão voltada a corrigir as injustiças, inclusive as sociais. É para isso que torço.

Não é possível medir se a ampla aprovação popular do presidente Lula realmente vai garantir que outros “operários” possam almejar a presidência da República sem desconfianças por parte dos mais instruídos. Da mesma forma, ainda que tenha desempenho exemplar à frente da nação, o governo Dilma não será o aval para que as mulheres queiram voltar isentas da crítica dos machistas a este cargo que ela, ainda, sequer assumiu. A qualquer erro seu, será dita aquela frase “tinha que ser...”. Infelizmente, as barreiras que operários e mulheres enfrentam na sociedade continuam a se levantar diariamente diante deles. Mas Lula e Dilma, se não derrubarem os paradigmas retrógrados dos elitistas e machistas, ao menos abalaram suas bases.

Um comentário: